O Conselho da UIT para Internet e Políticas Públicas

No dia 20 de junho de 2019, o Conselho da União Internacional de Telecomunicações (UIT), atualmente presidido pelo egípsio Dr. Elsayed Azzouz, decidiu que “uma sessão adicional do Conselho será realizada em Genebra, durante um dia útil, na sexta-feira, 27 de setembro de 2019, para discutir o relatório sobre os progressos no projeto na sede da União”. O projeto em questão se refere à análise das questões e sugestões encaminhadas por vários países para o Conselho do Grupo de Trabalho em Internet Internacional e Políticas Públicas Relacionadas visando o avanço da conectividade mundial à Internet, onde se destaca o trabalho das Redes Comunitárias.

O método adotado previa o envio de documentos, assinados individual ou coletivamente entre países, dos quais retiramos e listamos abaixo as principais contribuições de interesse para as redes comunitárias.

No dia 30 de junho, o Reino Unido apresentou suas sugestões, propondo, ao mesmo tempo, a adoção de uma definição formal para o entendimento comum sobre como abordar a importância e o trabalho das redes comunitárias. Afirmam:

“É importante considerar os operadores pequenos e sem fins lucrativos, utilizando medidas regulatórias apropriadas, que lhes permitam o acesso à infraestrutura básica em termos justos, para que possam prover conectividade em banda-larga a usuários em áreas rurais e remotas, beneficiando-se dos avanços tecnológicos”

Entre as propostas apresentadas para discussão, destacamos:

O Reino Unido ratificou ainda a importância de se discutirem tópicos relativos ao anexo da resolução 1305 do Conselho, que incluem a conectividade internacional à Internet, sua disponibilidade, acessibilidade, confiabilidade e qualidade do serviço, especialmente nos países em desenvolvimento, enfatizando igualmente os aspectos de desenvolvimento da Internet. Neste sentido, propuseram as seguintes perguntas para consulta:

Os EUA sustentaram uma posição distinta, afirmando que, embora várias de suas propostas já tivessem sido discutidas, as mesmas não foram acordadas durante a reunião do CWG-Internet em fevereiro de 2019. Assim, considerando a ausência de consenso durante a reunião do CWG-Internet de fevereiro, o Conselho da UIT tentou chegar a um acordo durante a reunião de junho de 2019, o que também não aconteceu, tendo sido o assunto enviado ao Grupo de Trabalho do Conselho. Consistente com as instruções da Conferência de Plenipotenciários, os EUA afirmaram acreditar que seja imperativo que o CWG-Internet chegue a um consenso sobre tópicos para consultas abertas durante esta reunião e que atrasos adicionais servem apenas para privar a associação dos benefícios advindos de consultas abertas. Sem capacidade de executar suas demandas, o CWG-Internet estaria cada vez menos capaz de cumprir seu mandato do PP-18 e do Conselho.

Visando chegar a um consenso nesta reunião, os EUA propuseram que os Estados Membros buscassem elencar seus tópicos já contando amplo apoio. Nesse sentido, o objetivo compartilhado entre os Estados Membros de expandir a conectividade criaria um guarda-chuva suficientemente amplo, sob o qual vários tópicos poderiam ser discutidos. Partido deste entendimento, os EUA trouxeram os seguinte para consultas abertas:

Gana, África do Sul e Uganda submeteram seus tópicos coletivamente, em setembro de 2019, demonstrando um amadurecimento de suas propostas e uma construção coletiva de suas demandas. As perguntas que apresentaram para serem discutidas por todos os membros do conselho foram as seguintes:

E abaixo a lista das propostas que resultaram do consenso dos 3 países africanos:

O Brasil também contribuiu, e submeteu uma lista perguntas divididas em 8 tópicos no dia 5 de setembro:

  1. Como as redes comunitárias podem ser melhor definidas e como elas são modeladas no seu país?
  2. Quais novas tecnologias têm o maior potencial para aumentar a população coberta pela infraestrutura de banda larga de operadores comunitários pequenos e/ou sem fins lucrativos?
  3. Que tipo de regulamentação e financiamento é necessário para os pequenos / comunidade / operadores sem fins lucrativos?
  4. No seu país, as operadoras comunitárias e sem fins lucrativos geralmente usam seu próprio Backhaul ou a infraestrutura de outras operadoras, especialmente a infraestrutura de pequenas operadoras (considerando a presença crescente em áreas rurais e remotas)?
  5. Que tipo de engajamento comunitário e ações coletivas são necessárias para que pequenos operadores / comunidade / organizações sem fins lucrativos floresçam? O que pode ser feito para facilitar e aprimorar essas práticas? Quais são os desafios de estender a infraestrutura de conectividade e serviços acessíveis aos usuários finais?
  6. O atual cenário político existente no país promove o desenvolvimento de pequenos operadores / comunidades / organizações sem fins lucrativos como uma solução possível para ajudar a diminuir o fosso digital? As soluções baseadas no mercado e as iniciativas comunitárias são tratadas como complementares?
  7. A estrutura regulatória existente é um facilitador de pequenos / comunitários / operadores comunitários sem fins lucrativos? Existem iniciativas para modernizar essa estrutura para reduzir as barreiras regulatórias, políticas e comerciais às redes comunitárias?
  8. As políticas e regulamentações aplicáveis à alocação de espectro abordam especificamente operadores sem fins lucrativos e de pequena escala?

Finalmente, cumpre registrar a presença das propostas da Rússia que, diferentemente das demais citadas, aborda o tema da dos direitos digitais relacionados à Internet desde uma perspectiva da privacidade de dados, do avanço das tecnologias, como IPV6 e 5G, chamando a atenção para a influência da Inteligência Artificial na gestão e modulação das plataformas. Em sua lista, encontramos os seguintes tópicos para debate:

  1. Quais os objetivos, princípios e abordagens gerais para a proteção de indivíduos em relação ao tratamento de dados pessoais e sua transferência;
  2. Quais os mecanismos legislativos e regulatórios adotados em diferentes países para proteger os direitos e liberdades fundamentais das pessoas com relação ao tratamento de dados pessoais (como as leis nacionais sobre dados pessoais, outras leis similares ao GDPR) e a possibilidade de sua harmonização internacional nível;
  3. Quais os procedimentos para a transferência (internacional) transfronteiriça de dados pessoais;
  4. Qual a visão dos operadores e provedores de Internet de regulamentação no campo da privacidade e proteção de dados pessoais e medidas para sua implementação prática, propostas para sua melhoria, desenvolvimento e harmonização em nível internacional;
  5. [Como realizar] a cooperação internacional na proteção de dados pessoais, desenvolvimento de políticas internacionais para proteção de dados pessoais e harmonização da regulamentação nacional, a fim de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento de negócios na Internet nacionais e globais?

Em um segundo documento, também disponibilizado no dia 6 de setembro, postulam como título “O Uso da Inteligência Artificial e as redes tecnológicas IMT-2020 (5G) para o Bem Comum”. Assim descrevem:

“Considerando as altas capacidades dos sistemas e aplicativos de IA e, ao mesmo tempo, os altos riscos que levam ao uso de tais sistemas/aplicativos, é necessário estudar as questões de regulamentação do uso da IA. Essas questões ainda não foram suficientemente exploradas e as práticas de regulamentação apenas começaram. A implementação de uma política pública internacional eficaz para a IA em telecomunicações/TIC é necessária para garantir o desenvolvimento sustentável e a melhoria dos serviços de telecomunicações/TIC, ao mesmo tempo em que envolve segurança, proteção de dados pessoais, privacidade, direitos de propriedade intelectual e segurança cibernética”.

Logo após esse texto, listam 8 tópicos que pretendem organizar “uma discussão de questões relacionadas a aspectos da regulamentação em nível nacional e internacional no campo do desenvolvimento e uso da IA impulsionado pelo CWG-Internet”:

Eis, portanto, uma grande lista de tópicos que, segundo entendemos, convergem evidentemente para o trabalho das Redes Comunitárias, tanto no Brasil quanto no mundo. Em resumo, podemos concluir que existe uma preocupação compartilhada em caracterizar as Redes Comunitárias de maneira a permitir a formulação de regulações específicas, que atendam e garantam a eficiência e sustentabilidade das redes criadas a partir da colaboração entre organizações sem fins lucrativos e comunidades locais.

As questões relacionadas à inovação e segurança de dados também estiveram bastante presentes e orientaram boa parte dos debates em torno da chegada do IPV6, do 5G, incluindo, a partir da Rússia, um destaque para a Inteligência Artificial aplicada às telecomunicações, algo que já foi tema de um de nossos textos de análise publicados em junho deste ano.

A CooLab continuará monitorando os debates internacionais de política, regulação e governança da Internet, tendo como objetivo o fomento ao debate nacional em defesa da criação de uma categoria específica na regulação brasileira, a de Redes Comunitárias, que habilitaria a um novo ator o reconhecimento necessário para acesso a fundos públicos de universalização da Internet no país.

Entendemos que, nas últimas décadas, nem empresas nem governos se mostraram capazes de levar Internet às comunidade mais distantes e pobres, estando cada vez mais consensuado entre países de todo o mundo que esse é precisamente a vocação do trabalho das Redes Comunitárias, que controem com as comunidades sua infraestrutura e as capacitam para uso e manutenção. É preciso avançar com essa pauta no Brasil, e contamos com vocês nesses esforços!