Diário de acampamento – semeando comunicação comunitária

Qual é a coisa mais forte do que contribuir para que alguém possa dizer o que ela deseja em vez de nos colocarmos como intermediaria nesse processo?

Assim saio refletindo do Acampamento Programa de Formação de Promotores e Promotoras de Telecomunicações e Radiofusão em Comunidades Indígenas da América Latina, que aconteceu em Fusagasugá, na Colômbia entre os dias 7 e 18 de novembro, promovido entre muitas mãos e corações, em especial pela REDES AC e Rhizomatica. Este evento reuniu mais de 50 pessoas de vários territoriais da Abya Yala (América Latina e Caribe), foram 14 ditos países no total, somando mais de 13 idiomas. Espanhol era a base para que a comunicação fluísse mas não limitando a ele já que cada pessoa tem seu próprio passado.

Fusagasugá é a casa do maior páramo do mundo, o Páramo de Sumapaz, importante produtor de água para o território colombiano. Essa cidade também abriga o Centro Esportivo da Universidade de Cundinamarca que foi a nossa casa durante esses dias, além de nos abrigar, a Universidade também acolhe o Semillero de Investigación Red Fuza Libre, iniciativa de rede comunitária colombiana que conecta estudantes da área de informática com a população local. Esse acampamento reuniu pessoas que, durante os anos de 2020 e 2021, participaram de encontros online para a formação no tema de comunicação comunitária. Durante o encontro local foram apresentados temas como o software livre e os tipos de licenças, redes sem fio, radiodifusão, rádio de longo alcance (HF), telefonia 4G, servidores autônomos, eletricidade e energia fotovoltaica, sustentabilidade e circo como metodologia de trabalho.

Esse encontro veio para colocar a mão na massa o que foi conversado e praticado online, cada qual longe do grande grupo. Como integrante da Coolab, me convidaram para ajudar nas atividade de redes sem fio e servidores autônomos. No modulo de rede sem fio, junto com o professor Wilson da Universidade de Cundinamarca e William da organização Colnodo repassamos o que é o espectro, como esse espaço é ocupado, exemplos simples de redes sem fio feita através do roteamento da conexão de um celular, conexão ponto a ponto com antenas Ubiquity e criação de uma rede em malha (mesh) usando equipamentos LibreRouter, um projeto de roteadores impulsionado pela AlterMundi que visa facilitar a criação de redes comunitárias no mundo. Sua interface para criação e expansão da rede em malha é bem simples e intuitiva, o grupo com quem trabalhamos no seu geral não tinha experiência previa com redes sem fio, apenas 2 pessoas já tinha alguma experiência com equipamentos proprietário, com conhecimento de alinhamento e conexão. O resto da turma era novata e em apenas 6 horas ou menos conseguiram montar a rede dentro do laboratório onde estávamos nos reunindo e depois ir para campo aberto. Utilizando o espaço da universidade, conectaram o bloco F (onde tínhamos as aulas) com os nosso dormitórios, no centro esportivo. Foram necessário 4 nós para a criação da rede e completa conexão. Conseguimos habilitar a internet quando faltava apenas 10 minutos para terminar a atividade, a comemoração foi geral.

Francisco levando um LibreRouter e suas antenas preso em um tripé

Nesse mesmo dia tivemos a transmissão online de um programa de 1 hora, feito pelas pessoas alunas do modulo de radiofusão.

Grupo de pessoas reunidas em volta de uma mesa com equipamentos eletrônicos, durante uma transmissão de programa de rádio.

No dia seguinte foi o modulo de servidores autônomos, tivemos 3 horas para, junto com Luis do coletivo Conexión Educativa de Ecuador e Adrian de REDES AC do México, apresentar os conceitos sobre que são serviços e quais os serviços que mais utilizamos no nosso dia a dia, o porque hospedar tais serviços em uma infraestrutura própria e como isso pode ser feito. Durante o modulo, usamos o projeto servidor-comunitario da Coolab para explicar como prover serviços utilizando a ferramenta Docker, além das vantagens de utilizar o conceito de containers (caixas) em vez de instalar tudo lado a lado. Com o tempo curto e outros problema no caminho, essa oficina se extendeu para mais 2 outros encontros, onde no final publicamos um serviço de streaming chamado Jellyfin, compartilhamento de arquivos, o FileBrowser e o Kolibri, uma plataforma de educação online.

Mais pra além do propósito de mostrar como serviços podem ser disponibilizados, reforçamos o compromisso de quando alguém se dispõem a oferecer os ditos serviços para uma comunidade, como fazer com que a relação servidor autônomo -> comunidade não caia na dicotomia cliente -> empresa.

E agora pensando bem, é difícil nomear todo mundo que ajudou nesses modulos, tivemos participação da professora Marcia na parte de logística, alunos da universidade ajudando com os materiais da sala além de participarem na atividade, a Bruna da Rhizomatica e a Lilian de REDES AC também contribuiram dando uma força para galera que tava em sala de aula. Resumindo, foi feito com muitas mãos, corações e intenções.

Aí, além dos trabalhos em aula no campus da Universidade, também visitamos o município de San Pablo onde possui uma rede comunitária em parceria com o Semillero Fusa Libre. Instalamos um sistema fotovoltaico com a ajuda de pessoas alunas, facilitadoras e moradoras. Deixamos o sistema instalado mas não finalizado porque nos faltou uma base fixa para a placa fotovoltaica, que foi fixada pela própria comunidade nos dias consecutivos. Tive a felicidade de voltar lá com o facilitador Orlando da Onergia para finalizar as conexões e fazer um repasse somente com as moradoras da Vereda. Agora, a antena que conecta a internet da comunidade com a internet da Universidade está sendo alimentada por um sistema independente de eletricidade <3

Grupo de pessoas no alto de uma colina observando a instalação de um painel fotovoltaico

Esse acampamento me encheu de energia e motivação para seguir na caminhada do meu próprio aprendizado, especialmente relacionado às redes comunitárias, suas formas de concepção e organização, além de aprender muito com as pessoas que estiveram comigo. Esse foi um espaço horizontal de aprendizado, onde apesar de algumas pessoas terem a posição de facilitadoras, elas não eram as “proprietárias” do conhecimento, porque este não tem dono. Conhecimento entrepassa e ultrapassa as relações das pessoas e como dizia Paulo Freire, todo mundo tem algo para aprender assim como todo mundo tem algo para ensinar.

Grupo de pessoas participantes do bootcamp de formação, vestindo camisetas amarelas, sentadas e de pé sorrindo para uma foto. Na frente do grupo há 3 bandeiras: povo Purépecha, Whipala e México.